As florestas tropicais restauram o tecido social em Caquetá

A experiência do projeto Amazônia 2.0 na Colômbia nos convida a reconhecer o fortalecimento da governança intercultural como uma ação eficaz para o cumprimento dos objetivos da Década da Restauração.

No assentamento Mononguete localizado no município de Solano (Caquetá), no sul da Colômbia, o cuidado com a natureza foi a principal razão pela qual as comunidades conseguissem restaurar o tecido social e a confiança que se desintegraram após várias décadas de conflito armado, o que, junto com as diferenças culturais, criou barreiras nas formas de se relacionarem.

Desde 2017, oito aldeias de Mononguete e do Resguardo Inga de Niñeras, representados por 12 promotores ambientais (9 camponeses e 3 indígenas), os conselhos de ação comunitária e o conselho indígena, vêm desenvolvendo uma estratégia de monitoramento comunitário dos recursos naturais, o que lhes permitiu transformar positivamente sua relação com as florestas, a água, o clima e a fauna em seu território e, ao mesmo tempo, sua forma de se relacionar.

Apesar de terem vivido no mesmo lugar por mais de 60 anos, os camponeses da parte superior do riacho Niñeras e os índios Inga da parte inferior do afluente, eram comunidades distantes, não tinham um propósito comum e, ao contrário, viviam em tensão permanente sobre os limites territoriais e o manejo da água do córrego do qual retiram seu abastecimento de água. 

Só há cerca de quatro anos, quando acompanhados pela Fundação Natura, no âmbito do projeto Amazônia 2.0, cujo objetivo era mitigar os processos de desmatamento na bacia amazônica, foi criado um espaço de diálogo no qual ambas as comunidades identificaram suas necessidades comuns. A necessidade mais urgente era a água. Tanto comunidades indígenas quanto camponesas sofriam com a escassez de recursos hídricos, especialmente na parte inferior do riacho Niñeras.

Segundo Fanny Jael Jamioy, promotora ambiental do Resguardo Indígenas Inga de Niñeras, sua comunidade já havia considerado dar este passo, mas não havia encontrado uma maneira de alcançá-lo, "sabíamos que tínhamos vizinhos, mas não havíamos nos engajado no diálogo". Quando o Amazônia 2.0 chegou e nos perguntou: 'O que queremos fazer? Olhamos nosso Plano de Gestão e dissemos: queremos nos engajar no diálogo com os agricultores", disse ele.

 

O início deste processo os motivou a plantar árvores de espécies nativas nas nascentes dos córregos Niñeras e Niñeritas e em locais estratégicos como os cursos d'água dos afluentes e áreas altamente desmatadas, com o objetivo de recuperar os ecossistemas e assim garantir a sustentabilidade do recurso hídrico como um bem comum.

Vale ressaltar que as plantações foram realizadas durante os quatro anos do processo conjunto. Embora inicialmente as mudas tenham sido transferidas da Reserva Indígena Inga de Niñeras para as aldeias de Montegrande e La Carolina, onde ambos os riachos têm origem, as comunidades trocaram sementes para recuperar as espécies perdidas ao longo do tempo e assim iniciar seus próprios processos de restauração.

Um dos efeitos mais significativos que os promotores identificaram como resultado das ações de recuperação coletiva é o registro de espécies que eles não viam há muitos anos na área rural, especialmente aves como perus. Na zona indígena, dois dos promotores ambientais envolvidos nesta iniciativa instalaram viveiros em suas casas a fim de restaurar áreas do Resguardo.

Além disso, o grupo de 12 promotores ambientais deu prioridade a 14 espécies de fauna para continuar o monitoramento. Entre eles está o Mico-bonito de Caquetá (Placturocebus caquetensis), um primata endêmico que está criticamente ameaçado, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), devido à perda de seu habitat.

ajudar a garantir a preservação, a conectividade entre as florestas e o bem-estar da vida selvagem.

Segundo Luis Asmed Díaz, promotor ambiental de La Carolina no núcleo de Mononguete, a experiência tem sido de aprendizado mútuo entre as duas comunidades e agora elas têm uma sólida relação de trabalho que está se fortalecendo. "Depois de tanto tempo conseguimos nos unir a eles e perceber que precisamos um do outro e que é muito importante trabalhar lado a lado entre as duas culturas", disse ele.

Vale ressaltar que Caquetá tem sido um dos departamentos da Amazônia colombiana com maiores índices de desmatamento, e Solano é um dos municípios que mais se destaca neste flagelo ambiental. Segundo a Global Forest Watch (GFW), 450.000 hectares de floresta primária foram desmatados em Solano entre 2002 e 2020, representando 56% da cobertura arbórea desmatada nesse mesmo período de tempo naquela zona. Entretanto, o GFW também indicou que a área total de floresta tropical primária em Solano diminuiu em 0,99%, o que indica que ainda existe uma grande quantidade de floresta tropical neste município, que de acordo com este observatório é representada por cerca de 5 milhões de hectares.

Neste sentido, levando em conta que Solano abriga uma enorme diversidade biológica em suas florestas e neste ano que teve inicio a Década de Restauração proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a fim de promover o impacto da recuperação dos ecossistemas para salvar o planeta Terra dos efeitos da mudança climática, a experiência da comunidade de Mononguete torna-se um chamado para continuar fortalecendo os processos interculturais de governança na Amazônia e assim unir esforços para alcançar os objetivos estabelecidos para os próximos 10 anos.